Thursday, October 21, 2010

Hoje...fui ao Baú! uma história a quatro mãos 5/11/2006

Ele tinha, delicadamente, declinado um convite para almoçar. "Gostava de te levar a um restaurante onde a comida é, apenas, um pretexto. A cor, a textura e o paladar são apenas a introdução para um tempo bem passado. Fica na marginal. E quando os teus olhos se fartarem de ver ao espelho nos meus, sempre poderás reflectir a tua timidez nas águas tranquilas do rio e, quem sabe, nele descobrir peixes verdes." - concluía ela o convite, desta forma poética.
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Agora, tentando redimir-me da nega matutina e do temor que de mim se apoderou pela forma inesperada e simultaneamente desejada do seu apelo, espero-a para jantar. No loft ribeirinho que há meia dúzia de meses comprei, decorado de forma minimalista, de cores claras e confortável, coloco na aparelhagem Stanley Clarck, num CD fantástico gravado ao vivo "At the Greek". O jantar, exclusivamente feito por mim, está pronto...umas ostras cozidas "ao" molho de limão, irão abrir as hostilidades, aproveitando o Veuve Clicquot aberto anteriormente para espairecer o espírito. Depois umas perdizes estufadas com um puré cremoso de batata, acompanhado de uma couve-flor gratinada. Para apurar os sentidos e libertar as amarras deste navio que é o desejo, nada melhor do que um vinho tinto, quente, do douro. No caso um Quinta Vale D. Maria de 2003. Para sobremesa, um "fondant" de chocolate coberto por umas natas semi-frias...todo este ritual celebrado com uma música eléctrica mas, simultaneamente, inebriante de Nitin Sawhney.
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Quando a campainha tocou estava eu detido em pensamentos semi-eróticos ou, pelo menos, sensuais, pensando no bom que seria apreciar um café estupidamente forte, bebido numa caneca grosseira, seguido de um Cognac de boa colheita, na varanda da casa - do loft, digo - enrolado num cobertor macio, aconchegado num poof...com o mar à minha frente, iluminado pela lua e pelas estrelas. Melhor, por uma em especial. Por ela. Aqui a música seria outra, a banda sonora teria que ser apelativa, teria de ser provocadora, teria de tocar a rebate o alerta dos sentidos...ao fim e ao cabo que nos desse a sensação de liberdade, a possibilidade de voar nas assas do deslumbramento do som rumo à realização do "encontro". O rock psicadélico dos Pink Floyd?..podia ser mas...não, tinha que ser algo mais forte...algo "pulp fictioniano"...sim, iriam rodar e rodar e rodar as várias versões do "Girl, You'll be a woman soon"...e pedir-lhe que me entregasse a alma e o fizesse entregando-se-me...sem condições, nem tempo. Toda. Só assim a queria. Completa.
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Abro a porta com um sorriso confiante e másculo, quando dou de caras com um homem impecavelmente vestido, o qual me pergunta o nome e a quem respondo, surpreendido, maquinalmente. "Esta encomenda é para si." - disse ele, entregando-me um ramo de Margaridas brancas, como o branco mais puro que alguma vez me foi dado ver. "A menina deve gostar muito do Senhor", continuou para concluir, "quase perdeu o avião por sua causa". Avião?..Menina?..Seria ela?..Serias tu?..Fechei a porta de uma forma, um tanto ou quanto, atabalhoada e, de garrafa de Champagne na mão - pronta a entrar de imediato na goela - abro o envelope e retiro o bilhete que dizia, tão assustadoramente, o seguinte: "Meu amor - acho que nunca te chamei assim - aceita estas flores como um pedaço de mim; plantei-as, trateia-as e colhi-as eu própria no meu jardim. Retira-lhes as pétalas e deita-as nas piscina que aí tens e de onde consegues ver o céu estrelado no horizonte da foz, onde o rio se funde com o mar. Depois, abraça a água e deixa que elas envolvam o teu corpo nu. Por fim olha o céu. Hás-de vê-lo todo, tão grande, enorme. Na imensidão do desejo e sensações que de ti se apoderarem hás-de descobrir, entre todas as estrelas, uma que brilhará mais do que todas as outras. Serei eu. Serei tua. A tua estrela." As lágrimas corriam-me pela cara abaixo, mas tinha de arranjar forças para terminar aquela leitura, quase, necrológica. Os seu olhos verdes pareciam-me agora tão distantes, as covinhas quando sorria e...aquela figura de mulher que me comprometi a satisfazer...compromisso meu...comigo...Tão longe. "...Não estou a fugir, nem tão pouco a dizer adeus. Depois destes dois desencontros havemos de nos Reencontrar...algures. Só por uma razão: porque tu me queres e eu tremo de vontade em te ter. Mas não agora. Não. Quando o caminho não tiver pedras e o céu expulsar todas nuvens. Sei que hoje perdi um momento, mas apurei o amor, o amor que sinto por ti. E, como dizia o Drummond de Andrade, não há falta na ausência. Não te esqueças...a estrela que mais brilhar...sou eu, que em ti estarei quando abraçares a água e beijares as pétalas. Um beijo grande, para sempre, muito...meu amor".
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Arrasado, aliviado, feliz. Que turbilhão de sentimentos e sensações. Tinha-a conquistado e o desencontro era apenas espacial. Tinhamos percebido o essencial, tinhamo-nos entregue à transcendência. Pertenciamo-nos irremediavelmente. A consumação deste amor, pleno de desejo, dar-se-á algures, no tempo e no espaço, provavelmente num dia de chuva em que ambos involuntariamente nos econtremos num passeio solitário à beira-mar, à beira de um qualquer mar, à beira de um qualquer oceano. E nessa altura, a estrela do céu há-de ter uma forma bem caprichosa...há-de ter a forma de uma ramo de margaridas brancas, cujas pétalas substituirão as gotas da chuva...no preciso momento em que desistirmos de ser dois.
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"ultima chamada para voo 251" No gélido corredor do Sá Carneiro olhou pelo vidro.. pela ultima vez encontrou o seu olhar com as luzes da pista... vermelho, verde, amarelo... apertou o bilhete na mão transpirada e fechou os olhos. Respirou fundo enebriada ainda pelo cheiro da saudade. Relembrou o rio, o coado da luz de Outubro, as gaivotas que planavam na marginal, das margaridas que nessa mesma tarde escolheu, colheu, e docemente amarrou. Brancas...sempre brancas.
Maquinalmente dirigiu-se para a porta de embarque. No mp3 soava Stanley Clark. Um almoço... se ele tivesse aceite o convite provavelmente estaria agora em terra firme.... e não naquele autocarro cheio de mochilas.
"Boa noite" Fila 35 lugar F" janela, janela janela... esperava enquanto percorria as caras e os numeros do Boing. Enfim... janela. Arrumou as tralhas no compartimento e apertou o cinto. o ar condiciondado começou a trabalhar... como enjoava com aquele cheiro. esperava-a madrid e depois, muitas horas sob o Oceano.
Teria recebido as flores? Perceberia? O medo, a informação velada? A cidade despedia-se na sua insignificancia. transcendia-se pela fuga... todas as luzes da cidade que acolheu. E o Rio... esse rio para onde deveria estar a olhar de um primeiro andar, e não sob as nuvens. Onde se aninharia na cumplicidade e não naquela manta... e chocolate... teria chocolate certamente, maravilha das maravilhas.. fondant de chocolate?
Fechou os olhos a aconchegou-se na musica... Jorge Palma acariciou-lhe o espirito. Tinha fugido... só agora se apercebera. Justificou-se racionalmente... mas tinha medo. De si. Do que desconhecia em si.
Sentia agora o sono. A corrida para o avião não a tinha ainda deixado render-se ao cansaço que sentia sempre depois de chorar! Enquanto escreveu o bilhete, e acariciava as delicadas petalas... desprendia as palavras, em cadência com as lagrimas que caiam. Rolavam pela face... terminando na esperança do reencontro.
Agora, por cima do Atlantico ... lembrou-se que se tinha esquecido... de trazer o coração! Ficara na marginal do douro. Esquecido? não! Entregue.

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